A taxa de juro neutra do Brasil, referência teórica que indica o nível em que a política monetária não estimula nem freia a economia, deveria estar em torno de 8%, e não nos 5% estimados pelo Banco Central.
A avaliação é de Fábio Kanczuk, diretor de macroeconomia do ASA e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Segundo Kanczuk, o patamar mais elevado reflete o atual ambiente fiscal do país. Para ele, apenas com um juro real significativamente mais alto a economia brasileira consegue operar em equilíbrio, sem pressionar a inflação nem provocar desaceleração abrupta da atividade.
“A política monetária só se tornou efetivamente contracionista em março, quando o juro real chegou a 8%”, afirmou.
Na leitura do economista, o fato de a economia não ter desacelerado de forma intensa nos últimos três anos, mesmo com juros nominais elevados, indica que o juro neutro estrutural é mais alto do que o consenso de mercado sugere.
A visão do ASA é de que a elevação do juro neutro está diretamente ligada à política fiscal expansionista. Jeferson Bittencourt, economista do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional, descreve o cenário como uma “deterioração da institucionalidade fiscal”.
Segundo ele, embora o governo reforce o discurso de compromisso com as metas fiscais, isso tem ocorrido com perda de qualidade do ajuste.
“Ao mesmo tempo em que se sinaliza rigor fiscal, despesas vão sendo retiradas do limite”, afirmou, citando exclusões recentes de gastos, como os relacionados a estatais, e a defesa da meta de resultado primário.
Na avaliação do ASA, esse tipo de manobra permite manter um déficit nominal elevado, mesmo com o cumprimento formal do arcabouço fiscal, o que acaba alimentando a desconfiança dos agentes e pressionando a curva de juros.
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Apesar do diagnóstico fiscal mais duro, o ASA projeta o início do ciclo de cortes da Selic já no começo de 2026. Para Kanczuk, o Banco Central deixou o caminho aberto para essa flexibilização ao ajustar o tom de seus comunicados recentes.
Entre os sinais citados está a mudança na linguagem sobre o período de manutenção dos juros elevados, que deixou de indicar um horizonte “bastante prolongado” e passou a tratar o aperto como algo já “em curso”.
Outro ponto foi a maior flexibilidade na convergência da inflação para a meta de 3%, com tolerância implícita a projeções levemente acima desse nível.
“O Banco Central tirou todas as amarras do texto e das projeções. Ele está livre para cortar juros. O momento exato vai depender dos dados”, avaliou.
O cenário-base do ASA prevê um corte inicial de 0,25 ponto percentual em janeiro de 2026, seguido por reduções de 0,50 ponto em março. A estimativa é que a Selic encerre o ano em 11,50%.
O principal ponto de atenção, segundo Kanczuk, está no segundo semestre de 2026. Com a inflação rodando próxima a 4% e o ciclo de cortes em andamento, o país pode chegar ao período eleitoral com uma política econômica mais estimulativa.
Na leitura do economista, os riscos inflacionários são assimétricos. Há mais chance de a inflação superar o teto da meta, de 4,5%, do que cair abaixo do piso de 1,5%.
“Mesmo com a Selic ainda em 13,5% no meio do ano, quando olhamos para os juros futuros e a inflação esperada, o juro real já estará próximo de 8%. Isso significa chegar às eleições com política estimulativa”, concluiu.
Foto: Paulo Pinto/Agencia Brasil

